domingo, 22 de dezembro de 2013

ARROZ COM AÇAFRÃO DA TERRA


Esta é uma receita de sucesso garantido. O açafrão da terra dá uma cor maravilhosa que, combinada com o sabor defumado da lingüiça, resulta num prato irresistível.

Este arroz deve ser cozido  em uma frigideira grande ou em um tacho largo e raso, de fundo plano (não por acaso, do tipo paella). Se usar uma panela funda o resultado será muito diferente.


Ingredientes:

  • 2 xícaras de arroz parboilizado
  • 1 colher (sopa) de açafrão da terra (cúrcuma)
  • 5 xícaras de caldo (de carne, de frango ou de legumes, a gosto)
  • 2 gomos de lingüiça calabresa defumada fatiada
  • 1 peito de frango cortado em cubinhos
  • 3 tomates picados (não é preciso tirar as sementes e a casca)
  • ½ cebola picada em pedacinhos
  • Cheiro verde picado
  • Azeite de oliva
  • Vinho branco seco
  • Sal (se for necessário)

Preparo:

  1. Ferva o caldo em uma panela à parte e reserve.
  2. Na frigideira, aqueça um pouco de azeite (suficiente para fritar ligeiramente as carnes e a cebola).
  3. Frite ligeiramente o frango.
  4. Acrescente a cebola.
  5. Acrescente a lingüiça quando a cebola estiver ficando transparente.
  6. Acrescente o tomate quando a lingüiça estiver ligeiramente frita.
  7. Refogue por alguns minutos.
  8. Acrescente o açafrão da terra e misture  bem.
  9. Regue com o vinho (três ou quatro colheres de sopa bastam).
  10. Espere um pouco o álcool do vinho evaporar.
  11. Acrescente o arroz e misture.
  12. Acrescente o cheiro verde.
  13. Acrescente o caldo quente de uma vez e misture novamente.
  14. Prove o caldo e corrija o sal, se for necessário (lembre-se que o caldo e a lingüiça já são salgados).
  15. Deixe cozinhar por cerca de vinte minutos sem tampar e sem mexer novamente.
  16. Desligue fogo antes que o arroz seque completamente, quando ainda estiver com um pouco de caldo no fundo. Deixe descansar um pouco com a frigideira destampada antes de servir.
  17. Tenha cuidado para não deixar o arroz secar completamente e queimar o fundo. Isto iria estragar o prato.

Dicas:

  1. Se possível use caldo feito em casa. Se não tiver, use o industrializado mesmo. Fica melhor se acrescentar uma amarrado de cheiro verde e uma cebola inteira na panela quando ferver o caldo industrializado. Descarte o cheiro verde e a cebola antes de usar o caldo.
  2. Pode-se incrementar o prato com ervilha, milho verde e/ou pimentão verde e vermelho cortado em cubinhos ou tirinhas, para decorar.
  3. Este prato é melhor se consumido de imediato, mas, se sobrar e for preciso requentar, acrescente manteiga ou azeite, para não ficar muito seco. 

terça-feira, 30 de julho de 2013

Minha receita de pão caseiro


Eu gosto de cozinhar há um bom tempo. Mas só recentemente descobri como é gostoso fazer pão. É uma beleza para combater estresse. Isto porque, para dar certo, você tem que deixar de lado a correria, que pão não está nem aí com sua pressa. Ele fica pronto no tempo dele. Então o jeito é relaxar e deixar as coisas acontecerem. Como recompensa você terá um pão gostoso, quentinho e, de quebra, ainda vai matar a vizinhança com o cheiro. Então, vamos à receita, que rende três pães:

Ingredientes:

1 kg. de farinha de trigo (nada de economizar aqui: compre da boa!)
2 colheres de manteiga (sem sal)
1 colher de sopa de sal
½ litro de água morna (morna, não fervendo)
1 ovo
2 tabletes de fermento biológico fresco (30 g)
2 colheres de sopa de açúcar cristal

·                   A primeira providência é observar o tempo, pois o fermento precisa de calor para fazer a massa crescer. Se o tempo estiver quente, beleza. Se estiver frio é bom arrumar uma ambiente quente para a massa crescer. Neste ponto eu costumo acender a luz do forno e deixar que o calor dela aqueça o suficiente para criar um ambiente ideal para a massa crescer. Tem quem deixe uma vasilha com água quente para aquecer o forno. Eu nunca experimentei, mas dizem que funciona.
·                   Peneire a farinha e reserve. Se você não tiver por aí uma sobra de farinha para polvilhar a forma e a mesa, separe umas duas ou três colheres de sopa da farinha para isto.
·                   Dissolva o sal e a manteiga na água morna e reserve.
·                   Numa tigela grande, misture o fermento biológico no açúcar até que dissolvam.
·                   Junte o ovo e misture.
·                   Junte a água com a manteiga dissolvida e misture.
·                 Vá juntando a farinha aos poucos e amassando, primeiro com um misturador e, depois que não for possível usar o misturador, com uma das mãos. A massa fica meio  mole, grudenta, mas é assim mesmo.
·                   Cubra a massa com um pano, leve no forno (só com a luz ligada!) e deixe crescer por 40 minutos ou até dobrar de tamanho.
Se você pensou que nestes quarenta minutos ia relaxar e tomar uma cervejinha, ledo engano! Para começar, limpe a bagunça que você já fez até aqui e deixe a cozinha organizada. Deixe a superfície onde vai trabalhar a massa (eu faço na pia da cozinha) imaculadamente limpa e seca. Prepare as formas onde vai assar o pão, untando-as com uma fina camada de óleo polvilhado com uma também fina camada de farinha. Forrar as formas com papel manteiga também resolve.
Polvilhe a superfície onde vai trabalhar com farinha de trigo, despeje a massa já crescida e dê uma ligeira esticada. Corte a massa em quatro pedaços iguais, pegue cada um dos pedaços e estique com um rolo de massa, também polvilhado com farinha de trigo, enrole a massa no formato de pão e arrume cada pão na forma untada, deixando um espaço entre eles, pois vão crescer. Se for usar  forma para pão, basta fazer um bolo com a massa e depositar em cada forma. Cubra as formas com um pano e leve de novo  para crescer por uns quarenta minutos ou até dobrar de tamanho.
Limpe a bagunça e depois pode aproveitar o resto dos quarenta minutos para tomar aquela cervejinha.
Se você usou o forno com a luz acesa para a massa crescer, tire-a de lá, desligue a luz, acenda o fogo, deixe-o alto até o forno ficar bem quente.
Pegue uma lâmina bem afiada e faça três leves cortes na parte de cima dos pães no sentido transversal, ou um corte no sentido longitudinal, pincele com água gelada, que é para eles ficarem crocantes por fora.
Leve os pães ao forno alto. Uns trinta minutos depois, o cheiro de pão quente vai estar enlouquecendo você e a vizinhança. Não se espante se, neste ponto, aparecer alguém dando uma de joão-sem-braço, com uma desculpa esfarrapada qualquer para ver o que está acontecendo. Vigie os pães e desligue o forno quando eles estiverem com uma bela cor dourada. Espere esfriarem um pouco, prepare um café e pode se servir.

Agora, não sei se você percebeu que comecei informando que esta receita rende três pães, mas que você fez quatro. É que um deles vai para o vizinho bisbilhoteiro que veio ver o que está acontecendo. No fim, a receita só vai te render três pães mesmo.

quinta-feira, 18 de julho de 2013

O Cronômetro

Gosto muito de cozinhar, mas sou um cozinheiro bissexto. Só lá uma vez ou outra me disponho a chegar perto do fogão e preparar alguma coisa. Não é para me gabar, mas tenho até um ou outro prato que faz sucesso com amigos e família. Uma das coisas importantes na cozinha é controlar o tempo de preparo dos pratos. Para isso eu uso um cronômetro digital bem preciso. Quando alguém quer saber o tempo de preparo de uma receita e eu digo “uns quinze ou vinte minutos”, vem logo a pergunta;
- Ué, mas se o tempo de preparo é assim tão incerto, por quê você usa um cronômetro com precisão de centésimos de segundo?
Para começar, porquê eu comprei o cronômetro e não tinha o que fazer com ele. Depois, eu paguei bem barato. Por fim, eu adoro instrumentos de precisão e desde moleque eu queria ter um cronômetro.
Quando garoto tentei ser um corredor de média distância e ia todo dia treinar no depauperado ginásio de esporte da cidade do Mato Grosso onde morava. Debaixo de um sol de mais de quarenta graus dava várias voltas na pista de atletismo e, uma vez por semana, fazia uma corrida de cinco quilômetros pelas estradas de terras que atravessam os infindáveis chapadões matogrossenses. Mas o que me atraía, mais que as corridas, era o cronômetro do treinador. Podia ficar horas admirando aquele estupendo instrumento de precisão e sonhando com o dia em que poderia ter um. O tempo foi passando e acabei esquecendo meu sonho de consumo. Até que no ano passado, em uma viagem de férias, minha mulher resolveu entrar num brechó de uma cidade do Paraná e, no meio de um monte de trastes, lá estavam eles: dois belos cronômetros digitais. Naquele instante deixei minha mulher sozinha e só tive olhos para eles, o velho desejo de infância de volta, depois te tanto tempo esquecido. Sem tirar os olhos, perguntei o preço.
- O que está na caixa é quarenta e cinco. O que está fora da caixa é quinze.
- O segundo é usado?
- Não. Os dois são novinhos. Mas o segundo é mais barato porquê está fora da embalagem.
Achei meio estranho a grande diferença de preço e fiquei mais algum tempo olhando. A vendedora  resolveu insistir e mandou:
- Se o senhor quiser levar o que está fora da caixa dá para fazer por dez.
- Está funcionando direitinho?
- Funciona muito bem. Demais, até.
- A bateria ainda está boa?
-Ôô, se está.
Não resisti e acabei comprando. Dez reais por um sonho de infância é uma bagatela. Depois de pago, a vendedora trouxe o cronômetro e pegou debaixo do balcão a embalagem original com manual de instruções e tudo, arrumou o cronômetro dentro, colocou tudo numa sacolinha e me entregou. Aí eu perdi a paciência.
- Moça, se você tinha a embalagem, manual de instruções, se os dois aparelhos são iguais, fala logo por quê a diferença de preço. Eu já paguei mesmo.
Ela não aguentou e acabou entregando:

- Moço, os dois são iguais mesmo, só que os manuais de instruções estão escritos em japonês e ninguém aqui pode entender. Eu tirei este que o senhor comprou da caixa para mostrar para um cliente. Ele mexeu, bagunçou a programação e não comprou. Aí, todo dia o alarme deste negócio começa a apitar às duas da tarde, toca até parar sozinho, que ninguém consegue desligar, e deixa todo mundo louco. Se o senhor insistisse mais, levava de graça.

segunda-feira, 15 de julho de 2013

Sua Excelência, o Digníssimo

Stanislaw Ponte Preta uma vez contou sobre o beque de um obscuro time da terceira divisão do futebol cearense que era recebido com fanfarra, discurso e foguetório em todo lugar que o time jogava pelo simples fato de ser parente do então marechal-presidente Castelo Branco. Da mesma forma que os corruptos, os puxa-sacos sempre estiveram presentes em qualquer canto deste país onde exista alguém com algum arremedo de poder, sempre prontos a encher o ego de qualquer autoridade de plantão. A história que vou contar parece uma repetição daquela contada por Stanislaw quase cinqüenta anos atrás. Mas é bem atual. O que prova que os puxa-sacos estão aí, resistindo bravamente a qualquer tentativa de erradicação, erva daninha imune a enxada, enxadão, fogo e pesticida.
Tudo se passa numa destas cidades do interior, com igreja matriz, praça e coreto. Tem também um rio onde as pessoas pescam com vara de bambu e minhoca. Não destas minhocas compradas em lojas, mas daquelas arrancadas na beira do rio com enxadão. Como toda cidade do interior que se preze, também tem um Bar do Ponto, um Hotel Palace e um Clube Atlético. Pois é no Clube Atlético que nossa história acontece.
O pessoal da prefeitura tem um time de futebol de salão que se encontra toda quinta feira no Clube Atlético para beber cerveja, comer linguiça de Bragança e, principalmente, estourar os meniscos em disputadíssimas partidas na quadra mais ou menos coberta que tem por lá. A turma leva o esporte a sério e não dá refresco para ninguém. É cada dividida que só falta arrancar pedaços do piso já bastante maltratado da quadra.

A cidade também tem um prefeito. Prefeito este que é metido a esportista e também joga no time da prefeitura. Já jogava muito antes de ser eleito e, por isto, ninguém dá a mínima para a dignidade do cargo. E tome pontapé, topada e palavrão, que todo mundo se conheceu de calças curtas e ele que vá ser prefeito lá na prefeitura. Mas, de vez em quando aparece o inevitável puxa-saco, como na ocasião em que o time da prefeitura participou do campeonato local. Estava lá, na escalação do time publicada no jornalzinho da cidade: “...Tião das Obras Públicas, Zoinho da Garagem, Totonho da Coletoria, Biu da Funerária e Sua Excelência o Digníssimo  Senhor Prefeito Municipal...”

sábado, 13 de julho de 2013

Candidatos e Apelidos

Por que Blog do Beeethoven? - perguntaria você. E se não perguntou, deveria ter perguntado, senão vai ser difícil arrumar assunto para esta postagem. Mas já que perguntou, respondo: Beethoven, ou melhor, Sr. Beethoven, é o apelido que meu filho e seus amigos me deram. Isto porquê sou meio desleixado e adio ao máximo o dia de ir ao barbeiro. Então, acabo cultivando uma cabeleira um tanto armada, pois meus cabelos têm vontade própria e resistem a toda tentativa de discipliná-los com um pente. Nesta situação, a molecada acha minha cabeleira parecida com a do retrato do grande Beethoven, daí o apelido. Eu não tenho o mínimo talento musical, mas qualquer semelhança (ainda que imaginária) com o divino Ludwig Van será sempre uma honra.  Então, para aqueles que acessaram meu blog pensando que encontrariam uma partitura com a conclusão da Sinfonia Inacabada, peço desculpas. Aqui encontrarão apenas umas “mal traçadas” com as observações de um modesto funcionário público sobre o mundo que o cerca.
Mas, falando em apelidos, uma das coisas mais engraçadas que conheço é a lista do TRE com os apelidos dos candidatos, especialmente das eleições municipais. O contraste entre o formalismo da linguagem oficial e a irreverência – ou oportunismo – de alguns candidatos é algo hilário demais para deixar passar. Fui anotando alguns destes apelidos e vou publicando aos poucos, em ordem alfabética, que é para não acharem que estou fazendo campanha para algum candidato:

  • 100% Negão
  • A Morte
  • Abajur
  • Adilson Papo 10
  • Ailton Arrepio
  • Alberto Rodrigues – O Vibrante
  • Alexandre do Doutor Tadeu
  • Aline da Gluglu
  • Alligato
  • Amiguinho
  • André Bem Ti Vi
  • Antônio da Margaridinha
  • Antônio Guimarães o Malandrinho
  • Baba da Pipoca
  • Babau
  • Bacano
  • Bainha
  • Balancin
  • Bambão
  • Barrão
  • Bartman
  • Batatinha
  • Baú do Manibu
  • Beba
  • Bebe Água
  • Beijoca
  • Bem
  • Beta de Bilula
  • Bibi Paus Pretos
  • Bibiu o Pequeno Grande
  • Bico de Bule
  • Bicudo
  • Bidoca
  • Biela Topa Tudo da Pedrinhas
  • Bila do Zé Novinho
  • Bila-Bilu
  • Bilau do Ônibus
  • Bilisco
  • Biringa
  • Biroska
  • Bispo do Gesso
  • Biu Babão
  • Biu Bolinho
  • Biu da Galinha
  • Biu de Beba
  • Biuzinho de Chico Cotó
  • Bodinho de Adolfo
  • Bofe
  • Boi de Barro
  • Boi Tatá
  • Bom Te Ver
  • Bonga de Alírio
  • Broder
  • Bruno da Lata Velha
  • Buchudo
  • Bujão
  • Bulinha

Até se entende que esta turma faça tudo para chamar a atenção. Mas alguns destes apelidos, francamente! “A Morte”? “Biuzinho de Chico Cotó”? Não cheguei a consultar o resultado das eleições, mas tenho comigo que o Biuzinho só teve os votos dele e do Chico Cotó.

quinta-feira, 11 de julho de 2013

Três cachorros e um pombo

São três cachorros. Três vira-latas de rua, bem comuns. Marcam ponto sempre no mesmo lugar, em frente a uma pet-shop e os vejo todo dia, a caminho do trabalho. O nome de um é Amarelo, o de outro Obama, o do terceiro ainda não sei. Mas não são destes vira-latas esfomeados que andam por aí fuçando no lixo alheio. Não, senhor! Estes foram meio que adotados pelas funcionárias da pet-shop, que mantém uma vasilha com ração, outra com água limpa e alguns panos na calçada em frente, bem embaixo da placa da loja. Se chover, a dona da casa vizinha abre os portões a dá abrigo aos cachorros. Então, apesar de serem cachorros de rua, levam uma vida bem razoável.
São uns cachorros muito bem agradecidos e retribuem o carinho com dedicação, fazendo o que sabem fazer de melhor, ou seja, sendo cachorros. Dá gosto ver a festa com que recebem as funcionárias da loja, quando chegam para abrir, logo de manhã. São também muito bem educados e vão longe para fazer suas necessidades, deixando a calçada da loja sempre bem asseada. Também não incomodam os clientes ou as funcionárias no horário do trabalho, ficam bem comportados do lado de fora. À noite, permanecem de guarda, encarando atentamente qualquer um que por ali transite. Se passar direto, tudo bem. Mas, ai do desavisado que encostar-se à loja ou ao portão da vizinha. Vai correr um quarteirão inteiro perseguido pelos atentos vigias.
São também um tanto preconceituosos, esses cachorros. Não perseguem carros, como costumam fazer seus colegas menos civilizados. Mas detestam bicicletas e motos. Latem furiosamente e correm atrás de qualquer ciclista ou motociclista que passe ao alcance deles. Também têm suas preferências por moda e são bem conservadores neste aspecto. Pessoas vestidas de forma discreta podem transitar por ali tranquilamente. Mas se aparece um destes jovens com tênis espalhafatoso, boné vestido ao contrário, bermudas aí pelo meio da bunda, mostrando a cueca, que Deus os acuda! O mais provável é que acabem mostrando o resto da bunda e deixem metade da bermuda na boca de um dos cachorros.
Durante algum tempo pensei que os cachorros estavam meio enjoados de ração e queriam algo mais fresco. É que, de vez em quando, um pombo pousava na placa da loja e os três ficavam sentados em baixo, encarando o pombo com aquele ar de “ah, se eu te pego”. E isto durava bastante tempo: os cachorros cá embaixo de olho no pombo lá em cima e o pombo lá de cima, de olho nos cachorros cá embaixo. Com o tempo, fui percebendo que os cachorros não queriam, de fato, mudar o cardápio, pois o pombo é sempre o mesmo, um branco com manchas pretas. Qualquer outro pombo que pare por ali é solenemente ignorado.

Resolvido a tirar a coisa a limpo, saí um dia mais cedo e fiquei de campana nos degraus de uma igreja, ali ao lado. Então, descobri que tudo não passa de um jogo entre os cachorros e o pombo. O pombo já estava lá, em seu poleiro com os cachorros atentos logo abaixo. Então, como que combinados, os cachorros se distraiam, olhavam para outro lado, o pombo descia, comia um bocado de ração, os cachorros voltavam e ele voava de novo para cima. A cena se repetiu várias vezes e percebi que os cachorros não se distraiam de verdade, era tudo fingimento. Quem é que poderia imaginar? A turminha ali não é de três cachorros. É de três cachorros e um pombo!

terça-feira, 9 de julho de 2013

Do Voto Secreto

Nunca na história daquele país tropical deitado às margens do Atlântico Sul o povo foi tão feliz. Esta, pelo menos, é a versão oficial e não temos motivos para duvidar de qualquer versão oficial. Se for oficial, deve ser verdade. Mas, quem observa esta felicidade toda não faz ideia que, num passado relativamente recente, aquele povo passou por um período bem conturbado da sua história. Há uns cinqüenta anos, elegeram um demagogo meio maluco para presidente, que não chegou a esquentar lugar na cadeira presidencial e renunciou, forçado – segundo ele – por “forças ocultas”. As forças eram tão ocultas que até hoje ninguém ficou sabendo quem eram. Assumiu o vice. Este vice, já presidente, irritou muito as forças armadas do país por demonstrar uma indisfarçável simpatia pelos regimes comunistas do leste europeu.  O pessoal de verde perdeu as estribeiras e resolveu “fazer democracia com as próprias mãos”. Derrubou o presidente, tomou o poder e gostou tanto dele que só devolveu uns vinte anos depois.
A turma de farda era fogo. Demonstrou logo ter muito pouca paciência. Mandava descer a borracha, dar sumiço nos adversários, enfim, praticava a modalidade de democracia feita à bala. Apesar da dureza do regime, mantinham um simulacro de parlamento, onde o voto dos parlamentares era rigidamente controlado. O instrumento de controle era o voto aberto. Se algum parlamentar, mesmo que por distração, votava contra a orientação do regime, a turma de farda ficava sabendo e o infeliz podia se considerar feliz caso perdesse apenas o mandato. Só daria para votar contra o regime se o voto fosse secreto. Foi uma longa briga até que o regime militar, já capengando, consentisse na aprovação do voto secreto dos parlamentares. Foi uma vitória da democracia e o povo comemorou muito. O parlamento, protegido pelo sigilo do voto, criou coragem de votar contra os militares, que devolveram o poder aos civis pouco tempo depois.
Contei tudo isso porque uma das propostas de assuntos para o plebiscito é o fim do voto secreto nas seções dos parlamentos. Sabendo o que acabei de contar, algum leitor pode achar que o fim do voto secreto vai ser uma repetição da história recente para aquele povo. Mas, não se preocupe, caro leitor. Os tempos são outros. A democracia está segura. Hoje ninguém naquele país acha que a mídia é golpista e deve ser controlada, ninguém quer sujeitar o Supremo Tribunal de lá, ninguém quer manietar o Ministério Público, ninguém quer calar os adversários, nenhum partido quer se perpetuar no poder. Então, a democracia deles não corre qualquer risco.
O que acontece é que aquele povo vota em quem não confia e depois quer que seu representante defenda seus interesses – do povo – e não os dele - parlamentar.  Atualmente, quando alguma proposta de interesse popular é rejeitada pelos parlamentares, apenas uma meia dúzia admite haver votado contra. A maioria desconversa, faz um joguinho de empurra e fica por isso mesmo. A possibilidade do fim do voto secreto deixou muito parlamentar ressabiado.
“-Mas, assim o todo mundo vai saber como a gente vota. O povo. A oposição. Como é que a gente vai se explicar?”
Foi uma dúvida danada. O que resolver? O quê não resolver? Até que um, mais esperto pouquinha coisa, resolveu a questão:
“-Ora, a gente também vai saber como os outros votam.”

Nada muda. Então, parece que o fim do voto secreto vai mesmo para o plebiscito. 

domingo, 7 de julho de 2013

Do Financiamento das Campanhas

O povo daquele belo país deitado eternamente em berço esplêndido nas margens ocidentais do Atlântico Sul não gostou de saber que o presidente do Senado, acompanhado do presidente da Câmara, respectivas famílias e puxa-sacos, usou um avião da força aérea para uma passeio particular de fim de semana. A farra com o dinheiro público pegou mal e o presidente do senado defendeu-se:
“-Pô, sou chefe de poder e sempre fiz isso.”
Ah, bom! Assim é diferente. Está tudo explicado.
Mas, só comentei isto de passagem, pois o assunto mesmo continua a ser o plebiscito, que este vai dar muito pano para a manga. Acontece que a presidenta saiu encantada daquela reunião com o povo:
“-Eu percebi que o povo consegue pensar. O povo é muito inteligente. Não precisamos ter medo. Se a gente explicar bem, o povo vai entender as perguntas do plebiscito e marcar as respostas que queremos.”
Eu não tenho esta fé na sabedoria daquele povo. Afinal, foi o mesmo povo que, em sua sabedoria – ou ausência dela – elegeu e reelegeu o tal presidente do Senado, mesmo sendo tal cavalheiro incidente e reincidente no mau uso do mandato, povo este que continua a honrar com seu voto algumas das mais notórias almas porcas daquele país. Mas, não precisa se preocupar, minha senhora. Estou falando de outro país. Cá, em terras tupiniquins, estas coisas não acontecem.
O fato é que o terceiro ou quarto escalão trabalhou duro e, para surpresa de alguns, em poucos dias conseguiu apresentar várias sugestões de assuntos a serem abordados no plebiscito. Um dos assuntos, de interesse óbvio para os políticos do país, diz respeito à forma como o povo quer financiar as campanhas eleitorais: financiamento público, privado ou misto. Está boiando, minha senhora? Não se aflija que eu explico, após fazer uma pesquisa no Google (que é para não passar vergonha) e descobrir que a coisa funciona mais ou menos como o pagamento de compras no comércio, quando temos que responder à indefectível pergunta: cheque, dinheiro ou cartão?

No financiamento público o povo paga, mas quem cobra é o governo, que repassa o dinheiro para os candidatos; no financiamento privado o povo continua pagando, mas quem cobra é o próprio candidato; no financiamento misto é um pega-prá-capar, pois ainda é o povo que paga, mas vai ser cobrado pelos dois lados, governo e candidato. Não estou entendendo, minha senhora. Quer saber se o candidato não poderia financiar sua própria campanha? Não, minha senhora. Não vai ter esta alternativa no plebiscito.

quinta-feira, 4 de julho de 2013

Ouvindo o Povo

E, naquele país ensolarado, banhado pelas águas cálidas da porção ocidental do Atlântico Sul, seu povo alegre e cordato estava perdendo a alegria e a cordialidade com as desgovernanças de seu governo. Para dizer a verdade o povo estava mesmo é danado da vida com seu governo. E foi um monte de gente para a rua, em passeata, gritar suas reivindicações, na esperança de que, se gritassem bem alto, quem sabe seriam ouvidos.  No palácio presidencial, a presidenta ouviu o tumulto e chamou o secretário:
- Qual é o causo, ô guri?
-Tem um povo aí na rua gritando, Excelência.
-E querem o quê?
-Ninguém sabe, Excelência. Cada um quer uma coisa e não dá para entender nada.
-Então manda a polícia separar uns três aí do povo, mas que sejam dos menos exaltados, e que os levem - sem bater, por enquanto - para a sala de reuniões. Convoca o ministério, os presidentes do senado e da câmara dos deputados, os líderes do governo. Vamos ouvir o povo!
Coitada da presidenta. Tinha esquecido que já era quarta-feira e que, no dia anterior, os trinta e nove ministros, os senadores e deputados com respectivos presidentes, os líderes do governo, todos tinham se mandado para o fim de semana, que ninguém é de ferro. Só estavam ela, o secretário e a polícia ainda no palácio. Então teve que falar sozinha com o povo. Acontece que os do povo, ainda que fossem dos menos exaltados, estavam mesmo é fulos, não se impressionaram com o luxo palaciano e danaram a soltar suas reivindicações. Para não dizer que inventei, transcrevo a seguir um trecho da reunião, copiado diretamente da ata:

"-1º do povo: Senhora presidenta, o transporte está um lixo, ônibus caindo aos pedaços, a máfia dos empresários cobra o que quer, os prefeitos reduziram a tarifa, mas dizem que vão descontar nos investimentos sociais...
-Presidenta: Que é que vocês acham: voto distrital, proporcional ou misto?
-2ª do povo: Senhora Presidenta, a educação está sucateada, as escolas em ruínas, os professores mal ganham para comer, as pessoas saem das universidades e nem sabem escrever direito o nome.
-Presidenta: Vocês preferem custear as campanhas eleitorais com financiamento público, privado ou misto?
-3º do povo: Senhora presidenta, o sistema de saúde está indo para o ralo, os médicos não querem trabalhar por não terem equipamentos e remédios, até os médicos cubanos importados preferiram voltar e enfrentar a fúria de Fidel do que a falta de estrutura daqui.
Presidenta: Plebiscito ou referendo?"


Só consegui copiar este trechinho da ata. Mas que a reunião foi bem produtiva, foi.

Plebiscito ou Referendo?




Em certo país ordeiro e pacífico, a presidenta se viu às voltas com uma questão muito importante que não conseguia resolver. Então convocou todo o ministério para ajudá-la a decidir o que fazer. Todos os seis ministros chegaram logo cedo, em seus próprios carros particulares, alguns de táxi, outros de bonde (Acredite ou não, minha senhora, o transporte público neste país é confortável, seguro, pontual e barato, até mesmo para quem não tem salário muito elevado, como os ministros de estado de lá.), e se reuniram numa pequena sala do palácio. Exposto o problema, confabularam por alguns momentos, então o mais experiente dos ministros respondeu à presidenta:
-Excelência, esta é uma questão fundamental para o destino do nosso povo. Não podemos decidir sozinhos. Precisamos fazer um plebiscito. Temos que formular a questão de forma clara e objetiva para que não haja dúvidas sobre a importância da decisão.
                     E resolveram que assim seria. Como a manhã mal tinha começado, tomaram um chá com torradas e foi cada um para seu gabinete, que havia muito trabalho a fazer e a sexta-feira mal tinha começado.
Na mesma época, em outro país ensolarado situado na porção ocidental do Atlântico Sul, a presidenta foi a um evento esportivo e ouviu uma vaia do povo. Não deu muita importância na ocasião, mas ficou meio cismada que a coisa podeira ser com ela. Pelo sim, pelo não, resolveu fazer um plebiscito para distrair o povo. Convocou todo o ministério e, no dia seguinte, chegaram todos os trinta e nove ministros, cada um na limusine mais luxuosa que o dinheiro público poderia comprar. Reuniram-se no salão mais suntuoso do palácio, onde foi servido o mais lauto café da manhã que o dinheiro público poderia comprar e, quando a presidenta expôs sua ideia, foi entusiasticamente aplaudida por todos. Imediatamente marcaram a data do plebiscito, quando entraria em vigor, separam quinhentos milhões do orçamento e já iam encerrando a reunião quando um destes ministros que ninguém sabe direito quem é, que está ali apenas para preencher a cota de algum partido nanico da base parlamentar, levantou a mão lá do fundo do salão:
-Uma questão de ordem, Senhora Presidenta: o que vamos perguntar para o povo neste plebiscito?
-Tem que ter uma pergunta?
Ninguém sabia direito. Arrumaram um computador, consultaram o Google e... Sim, tinha que ter uma pergunta. Prosseguiram então com a reunião. No fim, o ministro mais experiente do grupo anunciou a decisão à presidenta:
-Senhora Presidenta, decidimos deixar a pergunta por conta do terceiro ou quarto escalão. Aqui ninguém está muito preocupado com a resposta, então a pergunta é irrelevante.
Resolvida esta questão, já estavam todos se preparando para partir para o fim de semana (apesar de ser ainda uma manhã de terça-feira), quando aquele mesmo chato do partido nanico levantou de novo a mão:
-Outra questão de ordem, Senhora Presidente: vai ser plebiscito ou referendo?

-Bem... - e, muito a contragosto, voltaram à reunião.