São três cachorros. Três vira-latas de
rua, bem comuns. Marcam ponto sempre no mesmo lugar, em frente a uma pet-shop e
os vejo todo dia, a caminho do trabalho. O nome de um é Amarelo, o de outro
Obama, o do terceiro ainda não sei. Mas não são destes vira-latas esfomeados
que andam por aí fuçando no lixo alheio. Não, senhor! Estes foram meio que
adotados pelas funcionárias da pet-shop, que mantém uma vasilha com ração,
outra com água limpa e alguns panos na calçada em frente, bem embaixo da placa
da loja. Se chover, a dona da casa vizinha abre os portões a dá abrigo aos
cachorros. Então, apesar de serem cachorros de rua, levam uma vida bem
razoável.
São uns cachorros muito bem agradecidos e
retribuem o carinho com dedicação, fazendo o que sabem fazer de melhor, ou
seja, sendo cachorros. Dá gosto ver a festa com que recebem as funcionárias da
loja, quando chegam para abrir, logo de manhã. São também muito bem educados e
vão longe para fazer suas necessidades, deixando a calçada da loja sempre bem
asseada. Também não incomodam os clientes ou as funcionárias no horário do
trabalho, ficam bem comportados do lado de fora. À noite, permanecem de guarda,
encarando atentamente qualquer um que por ali transite. Se passar direto, tudo
bem. Mas, ai do desavisado que encostar-se à loja ou ao portão da vizinha. Vai
correr um quarteirão inteiro perseguido pelos atentos vigias.
São também um tanto preconceituosos,
esses cachorros. Não perseguem carros, como costumam fazer seus colegas menos
civilizados. Mas detestam bicicletas e motos. Latem furiosamente e correm atrás
de qualquer ciclista ou motociclista que passe ao alcance deles. Também têm
suas preferências por moda e são bem conservadores neste aspecto. Pessoas
vestidas de forma discreta podem transitar por ali tranquilamente. Mas se
aparece um destes jovens com tênis espalhafatoso, boné vestido ao contrário,
bermudas aí pelo meio da bunda, mostrando a cueca, que Deus os acuda! O mais
provável é que acabem mostrando o resto da bunda e deixem metade da bermuda na
boca de um dos cachorros.
Durante algum tempo pensei que os
cachorros estavam meio enjoados de ração e queriam algo mais fresco. É que, de
vez em quando, um pombo pousava na placa da loja e os três ficavam sentados em
baixo, encarando o pombo com aquele ar de “ah, se eu te pego”. E isto durava
bastante tempo: os cachorros cá embaixo de olho no pombo lá em cima e o pombo
lá de cima, de olho nos cachorros cá embaixo. Com o tempo, fui percebendo que
os cachorros não queriam, de fato, mudar o cardápio, pois o pombo é sempre o
mesmo, um branco com manchas pretas. Qualquer outro pombo que pare por ali é solenemente
ignorado.
Resolvido a tirar a coisa a limpo, saí um
dia mais cedo e fiquei de campana nos degraus de uma igreja, ali ao lado.
Então, descobri que tudo não passa de um jogo entre os cachorros e o pombo. O
pombo já estava lá, em seu poleiro com os cachorros atentos logo abaixo. Então,
como que combinados, os cachorros se distraiam, olhavam para outro lado, o
pombo descia, comia um bocado de ração, os cachorros voltavam e ele voava de
novo para cima. A cena se repetiu várias vezes e percebi que os cachorros não
se distraiam de verdade, era tudo fingimento. Quem é que poderia imaginar? A
turminha ali não é de três cachorros. É de três cachorros e um pombo!
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