quinta-feira, 18 de julho de 2013

O Cronômetro

Gosto muito de cozinhar, mas sou um cozinheiro bissexto. Só lá uma vez ou outra me disponho a chegar perto do fogão e preparar alguma coisa. Não é para me gabar, mas tenho até um ou outro prato que faz sucesso com amigos e família. Uma das coisas importantes na cozinha é controlar o tempo de preparo dos pratos. Para isso eu uso um cronômetro digital bem preciso. Quando alguém quer saber o tempo de preparo de uma receita e eu digo “uns quinze ou vinte minutos”, vem logo a pergunta;
- Ué, mas se o tempo de preparo é assim tão incerto, por quê você usa um cronômetro com precisão de centésimos de segundo?
Para começar, porquê eu comprei o cronômetro e não tinha o que fazer com ele. Depois, eu paguei bem barato. Por fim, eu adoro instrumentos de precisão e desde moleque eu queria ter um cronômetro.
Quando garoto tentei ser um corredor de média distância e ia todo dia treinar no depauperado ginásio de esporte da cidade do Mato Grosso onde morava. Debaixo de um sol de mais de quarenta graus dava várias voltas na pista de atletismo e, uma vez por semana, fazia uma corrida de cinco quilômetros pelas estradas de terras que atravessam os infindáveis chapadões matogrossenses. Mas o que me atraía, mais que as corridas, era o cronômetro do treinador. Podia ficar horas admirando aquele estupendo instrumento de precisão e sonhando com o dia em que poderia ter um. O tempo foi passando e acabei esquecendo meu sonho de consumo. Até que no ano passado, em uma viagem de férias, minha mulher resolveu entrar num brechó de uma cidade do Paraná e, no meio de um monte de trastes, lá estavam eles: dois belos cronômetros digitais. Naquele instante deixei minha mulher sozinha e só tive olhos para eles, o velho desejo de infância de volta, depois te tanto tempo esquecido. Sem tirar os olhos, perguntei o preço.
- O que está na caixa é quarenta e cinco. O que está fora da caixa é quinze.
- O segundo é usado?
- Não. Os dois são novinhos. Mas o segundo é mais barato porquê está fora da embalagem.
Achei meio estranho a grande diferença de preço e fiquei mais algum tempo olhando. A vendedora  resolveu insistir e mandou:
- Se o senhor quiser levar o que está fora da caixa dá para fazer por dez.
- Está funcionando direitinho?
- Funciona muito bem. Demais, até.
- A bateria ainda está boa?
-Ôô, se está.
Não resisti e acabei comprando. Dez reais por um sonho de infância é uma bagatela. Depois de pago, a vendedora trouxe o cronômetro e pegou debaixo do balcão a embalagem original com manual de instruções e tudo, arrumou o cronômetro dentro, colocou tudo numa sacolinha e me entregou. Aí eu perdi a paciência.
- Moça, se você tinha a embalagem, manual de instruções, se os dois aparelhos são iguais, fala logo por quê a diferença de preço. Eu já paguei mesmo.
Ela não aguentou e acabou entregando:

- Moço, os dois são iguais mesmo, só que os manuais de instruções estão escritos em japonês e ninguém aqui pode entender. Eu tirei este que o senhor comprou da caixa para mostrar para um cliente. Ele mexeu, bagunçou a programação e não comprou. Aí, todo dia o alarme deste negócio começa a apitar às duas da tarde, toca até parar sozinho, que ninguém consegue desligar, e deixa todo mundo louco. Se o senhor insistisse mais, levava de graça.

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