Gosto muito de cozinhar, mas sou um
cozinheiro bissexto. Só lá uma vez ou outra me disponho a chegar perto do
fogão e preparar alguma coisa. Não é para me gabar, mas tenho até um ou outro
prato que faz sucesso com amigos e família. Uma das coisas importantes na
cozinha é controlar o tempo de preparo dos pratos. Para isso eu uso um
cronômetro digital bem preciso. Quando alguém quer saber o tempo de preparo de
uma receita e eu digo “uns quinze ou vinte minutos”, vem logo a pergunta;
- Ué, mas se o tempo de preparo é assim
tão incerto, por quê você usa um cronômetro com precisão de centésimos de
segundo?
Para começar, porquê eu comprei o
cronômetro e não tinha o que fazer com ele. Depois, eu paguei bem barato. Por
fim, eu adoro instrumentos de precisão e desde moleque eu queria ter um
cronômetro.
Quando garoto tentei ser um corredor de
média distância e ia todo dia treinar no depauperado ginásio de esporte da
cidade do Mato Grosso onde morava. Debaixo de um sol de mais de quarenta graus
dava várias voltas na pista de atletismo e, uma vez por semana, fazia uma corrida
de cinco quilômetros pelas estradas de terras que atravessam os infindáveis
chapadões matogrossenses. Mas o que me atraía, mais que as corridas, era o cronômetro do
treinador. Podia ficar horas admirando aquele estupendo instrumento de precisão
e sonhando com o dia em que poderia ter um. O tempo foi passando e acabei
esquecendo meu sonho de consumo. Até que no ano passado, em uma viagem de
férias, minha mulher resolveu entrar num brechó de uma cidade do Paraná e, no
meio de um monte de trastes, lá estavam eles: dois belos cronômetros digitais.
Naquele instante deixei minha mulher sozinha e só tive olhos para eles, o velho
desejo de infância de volta, depois te tanto tempo esquecido. Sem tirar os
olhos, perguntei o preço.
- O que está na caixa é quarenta e cinco.
O que está fora da caixa é quinze.
- O segundo é usado?
- Não. Os dois são novinhos. Mas o
segundo é mais barato porquê está fora da embalagem.
Achei meio estranho a grande diferença de
preço e fiquei mais algum tempo olhando. A vendedora resolveu insistir e mandou:
- Se o senhor quiser levar o que está
fora da caixa dá para fazer por dez.
- Está funcionando direitinho?
- Funciona muito bem. Demais, até.
- A bateria ainda está boa?
-Ôô, se está.
Não resisti e acabei comprando. Dez reais
por um sonho de infância é uma bagatela. Depois de pago, a vendedora trouxe o
cronômetro e pegou debaixo do balcão a embalagem original com manual de
instruções e tudo, arrumou o cronômetro dentro, colocou tudo numa sacolinha e
me entregou. Aí eu perdi a paciência.
- Moça, se você tinha a embalagem, manual
de instruções, se os dois aparelhos são iguais, fala logo por quê a diferença
de preço. Eu já paguei mesmo.
Ela não aguentou e acabou entregando:
- Moço, os dois são iguais mesmo, só que
os manuais de instruções estão escritos em japonês e ninguém aqui pode
entender. Eu tirei este que o senhor comprou da caixa para mostrar para um
cliente. Ele mexeu, bagunçou a programação e não comprou. Aí, todo dia o alarme
deste negócio começa a apitar às duas da tarde, toca até parar sozinho, que
ninguém consegue desligar, e deixa todo mundo louco. Se o senhor insistisse
mais, levava de graça.
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