terça-feira, 9 de julho de 2013

Do Voto Secreto

Nunca na história daquele país tropical deitado às margens do Atlântico Sul o povo foi tão feliz. Esta, pelo menos, é a versão oficial e não temos motivos para duvidar de qualquer versão oficial. Se for oficial, deve ser verdade. Mas, quem observa esta felicidade toda não faz ideia que, num passado relativamente recente, aquele povo passou por um período bem conturbado da sua história. Há uns cinqüenta anos, elegeram um demagogo meio maluco para presidente, que não chegou a esquentar lugar na cadeira presidencial e renunciou, forçado – segundo ele – por “forças ocultas”. As forças eram tão ocultas que até hoje ninguém ficou sabendo quem eram. Assumiu o vice. Este vice, já presidente, irritou muito as forças armadas do país por demonstrar uma indisfarçável simpatia pelos regimes comunistas do leste europeu.  O pessoal de verde perdeu as estribeiras e resolveu “fazer democracia com as próprias mãos”. Derrubou o presidente, tomou o poder e gostou tanto dele que só devolveu uns vinte anos depois.
A turma de farda era fogo. Demonstrou logo ter muito pouca paciência. Mandava descer a borracha, dar sumiço nos adversários, enfim, praticava a modalidade de democracia feita à bala. Apesar da dureza do regime, mantinham um simulacro de parlamento, onde o voto dos parlamentares era rigidamente controlado. O instrumento de controle era o voto aberto. Se algum parlamentar, mesmo que por distração, votava contra a orientação do regime, a turma de farda ficava sabendo e o infeliz podia se considerar feliz caso perdesse apenas o mandato. Só daria para votar contra o regime se o voto fosse secreto. Foi uma longa briga até que o regime militar, já capengando, consentisse na aprovação do voto secreto dos parlamentares. Foi uma vitória da democracia e o povo comemorou muito. O parlamento, protegido pelo sigilo do voto, criou coragem de votar contra os militares, que devolveram o poder aos civis pouco tempo depois.
Contei tudo isso porque uma das propostas de assuntos para o plebiscito é o fim do voto secreto nas seções dos parlamentos. Sabendo o que acabei de contar, algum leitor pode achar que o fim do voto secreto vai ser uma repetição da história recente para aquele povo. Mas, não se preocupe, caro leitor. Os tempos são outros. A democracia está segura. Hoje ninguém naquele país acha que a mídia é golpista e deve ser controlada, ninguém quer sujeitar o Supremo Tribunal de lá, ninguém quer manietar o Ministério Público, ninguém quer calar os adversários, nenhum partido quer se perpetuar no poder. Então, a democracia deles não corre qualquer risco.
O que acontece é que aquele povo vota em quem não confia e depois quer que seu representante defenda seus interesses – do povo – e não os dele - parlamentar.  Atualmente, quando alguma proposta de interesse popular é rejeitada pelos parlamentares, apenas uma meia dúzia admite haver votado contra. A maioria desconversa, faz um joguinho de empurra e fica por isso mesmo. A possibilidade do fim do voto secreto deixou muito parlamentar ressabiado.
“-Mas, assim o todo mundo vai saber como a gente vota. O povo. A oposição. Como é que a gente vai se explicar?”
Foi uma dúvida danada. O que resolver? O quê não resolver? Até que um, mais esperto pouquinha coisa, resolveu a questão:
“-Ora, a gente também vai saber como os outros votam.”

Nada muda. Então, parece que o fim do voto secreto vai mesmo para o plebiscito. 

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