Esta semana me despedi de uma velha
amiga. Uma amiga que nunca deixou de me deslumbrar durante os sete anos que
durou a amizade. Não que a amizade de fato tenha acabado, que houvesse qualquer
desentendimento entre nós. Mas eu mudei de apartamento e por isto tive que por
fim a este relacionamento. Pois esta minha amiga é uma janela panorâmica de
dois metros de comprimento por um metro de altura, composta por quatro folhas
de vidro temperado, duas fixas e duas corrediças, na varanda de meu antigo
apartamento.
Quando fui alugar o apartamento, a
primeira coisa que fiz foi correr até aquela janelona e me apaixonar de
imediato. Enquanto minha mulher avaliava os armários da cozinha, o tamanho dos
quartos, o estado da pintura, eu só tinha olhos para a paisagem além da janela.
Não me importei muito com o fato do apartamento ficar no último andar de um
prédio sem elevador. Já tinha decidido que era ali mesmo que iríamos morar.
Não que se tratasse de uma paisagem
deslumbrante, destas de cartão postal. Na realidade, o que eu via eram os
telhados irregulares das casas em primeiro plano, uma horta do lado esquerdo, uma
favela à direita, conjuntos residenciais, a prefeitura, uma faculdade, um
viaduto, uma avenida, um pedaço da estrada de ferro, uma refinaria e, mais no
fundo, alguns prédios de Santo André e de São Paulo. Um cenário, à primeira
vista, sem qualquer atrativo. Mas, e daí? Quem é que pode morar em um cartão
postal?
Durante sete anos eu veria o mundo passar
pela minha janela e aprenderia o quanto aquela paisagem tão prosaica pode ser
linda. Cada amanhecer! Cada por do sol! Até a refinaria com as chamas de suas
chaminés e de seus queimadores ás vezes confere um aspecto dramático à
paisagem. Da mesma forma que as nuvens das tempestades. Com um binóculo é
possível ver a inundação que estas tempestades provocam na entrada da cidade.
Mas a gente esquece este problema ante o espetáculo proporcionado pelas nuvens
monumentais, os trovões, os relâmpagos e o martelar da chuva nos telhados,
quando ela está se aproximando.
Diariamente vejo as aves que passam o dia
na represa e que vão se refugiar à noite
em um lago da refinaria. Uma revoada de milhares de aves imaculadamente
brancas, pernas amarelas, perfis esguios, que acontece toda manhã em direção à
represa e toda tarde em direção à refinaria. Às vezes alguma se desgarra do
bando e acaba passando bem juntinho de minha janela.
Pela mesma janela vi o rodoanel chegar à
cidade e trazer milhares de carros e caminhões de todos os cantos. Gente que
passa quase sem notar que aqui tem uma cidade. E, vizinho ao rodoanel, vi um
bairro nascer. Da noite para o dia apareciam guindastes enormes erguendo
prédios e mais prédios de apartamentos.
O apartamento atual fica no mesmo prédio,
mas no andar térreo. Tem vista para a mesma paisagem do apartamento anterior.
Mas fica mais baixo e a vista não alcança tão longe, atrapalhada pelos prédios
mais altos. Um apartamento mais amplo, mais confortável, sem escadas para
subir. Mas, com certeza, uma parte importante de mim ficou lá em cima.



Justo o que procurava sobre janela de vidro. Obrigada!
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