domingo, 12 de janeiro de 2014

Paisagem na janela


Esta semana me despedi de uma velha amiga. Uma amiga que nunca deixou de me deslumbrar durante os sete anos que durou a amizade. Não que a amizade de fato tenha acabado, que houvesse qualquer desentendimento entre nós. Mas eu mudei de apartamento e por isto tive que por fim a este relacionamento. Pois esta minha amiga é uma janela panorâmica de dois metros de comprimento por um metro de altura, composta por quatro folhas de vidro temperado, duas fixas e duas corrediças, na varanda de meu antigo apartamento.


Quando fui alugar o apartamento, a primeira coisa que fiz foi correr até aquela janelona e me apaixonar de imediato. Enquanto minha mulher avaliava os armários da cozinha, o tamanho dos quartos, o estado da pintura, eu só tinha olhos para a paisagem além da janela. Não me importei muito com o fato do apartamento ficar no último andar de um prédio sem elevador. Já tinha decidido que era ali mesmo que iríamos morar.


Não que se tratasse de uma paisagem deslumbrante, destas de cartão postal. Na realidade, o que eu via eram os telhados irregulares das casas em primeiro plano, uma horta do lado esquerdo, uma favela à direita, conjuntos residenciais, a prefeitura, uma faculdade, um viaduto, uma avenida, um pedaço da estrada de ferro, uma refinaria e, mais no fundo, alguns prédios de Santo André e de São Paulo. Um cenário, à primeira vista, sem qualquer atrativo. Mas, e daí? Quem é que pode morar em um cartão postal?


Durante sete anos eu veria o mundo passar pela minha janela e aprenderia o quanto aquela paisagem tão prosaica pode ser linda. Cada amanhecer! Cada por do sol! Até a refinaria com as chamas de suas chaminés e de seus queimadores ás vezes confere um aspecto dramático à paisagem. Da mesma forma que as nuvens das tempestades. Com um binóculo é possível ver a inundação que estas tempestades provocam na entrada da cidade. Mas a gente esquece este problema ante o espetáculo proporcionado pelas nuvens monumentais, os trovões, os relâmpagos e o martelar da chuva nos telhados, quando ela está se aproximando.


Diariamente vejo as aves que passam o dia na represa e que vão se refugiar  à noite em um lago da refinaria. Uma revoada de milhares de aves imaculadamente brancas, pernas amarelas, perfis esguios, que acontece toda manhã em direção à represa e toda tarde em direção à refinaria. Às vezes alguma se desgarra do bando e acaba passando bem juntinho de minha janela.


Pela mesma janela vi o rodoanel chegar à cidade e trazer milhares de carros e caminhões de todos os cantos. Gente que passa quase sem notar que aqui tem uma cidade. E, vizinho ao rodoanel, vi um bairro nascer. Da noite para o dia apareciam guindastes enormes erguendo prédios e mais prédios de apartamentos.



O apartamento atual fica no mesmo prédio, mas no andar térreo. Tem vista para a mesma paisagem do apartamento anterior. Mas fica mais baixo e a vista não alcança tão longe, atrapalhada pelos prédios mais altos. Um apartamento mais amplo, mais confortável, sem escadas para subir. Mas, com certeza, uma parte importante de mim ficou lá em cima.

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