domingo, 1 de junho de 2014

O Processo

Trabalho em um fórum onde tramitam milhares de processos, como em qualquer outro fórum. Processos judiciais não são as coisas mais apreciadas pelas pessoas, com exceção dos advogados que ganham a vida com eles. Mas aqui tem um processo do qual todo mundo gosta e que não quer vê-lo extinto tão cedo. Aqui, quando falamos em “processo” sem indicar número de ordem, número unificado ou qualquer outro, não estamos nos referindo a uma pilha de documentos envolto em uma capa de papel cartão. Estamos nos referindo ao Processo, com letra maiúscula, o cachorro aqui do fórum.
Processo é um vira-lata que apareceu por aqui um dia, esfomeado e maltratado pela vida na rua. Uma juíza interessou-se por ele e resolveu adotá-lo, determinando que se providenciasse comida e alojamento. Determinação judicial não se discute, cumpre-se. E o Processo ganhou um cantinho para se agasalhar, comida e água. Como ninguém sabia seu nome, alguém resolveu batizá-lo de Processo. Se gostou ou não, nunca reclamou, então o nome pegou.
Bem agasalhado e bem alimentado, foi ficando. Passa o dia dormindo, zanzando pelo terreno do fórum, acompanhando um dos vigias. À noite, transforma-se em um cão de guarda muito dedicado. Falo isto de ouvir dizer, pois nunca frequentei o fórum à noite.
Mas, não foi sem percalços a vida do Processo como funcionário do fórum. Um dia apareceu aqui uma senhora que reclamou a propriedade do Processo e, tanta prova forneceu, que acabou levando-o embora. Mas, não se preocupe, caro leitor. Enxugue esta lágrima furtiva que teima em descer por suas faces. Este não é o fim melancólico de nossa história. O que todo mundo pensava que seria uma baixa definitiva, acabou sendo uma carga rápida. Rapidinho o processo deu outro basta para sua vida doméstica, voltou e reassumiu seu cargo aqui no fórum, onde permanece até hoje. Teve casos de reclamações contra a presença deste inusitado funcionário público nas dependências do fórum. Petições sumariamente indeferidas. Afinal, lugar de processo circular é no fórum mesmo.
P.R.I.C.


P.S.: Obrigado à Dani e ao Flávio por me contarem a história do Processo.

terça-feira, 20 de maio de 2014

Vinho Quente

Com o friozinho chegando, experimente minha receita de vinho quente:


Você vai precisar de:
  • 1 garrafa de vinho de mesa suave (não vá usar aquele Romanée-Conti Grand Cru de cinco mil euros que você trouxe de sua última viagem à França. Este você abre quando eu for fazer uma visita)
  • 750 ml de água
  • 1 xícara de açúcar
  • 1 maçã
  • 2 fatias de abacaxi
  • 1 limão
  • Gengibre cortado em fatias finas
  • Cravo
  • Canela em pau

  1. corte o abacaxi e a maçã em cubinhos, esprema o limão em cima, misture tudo e reserve;
  2. em uma panela funda, queime o açúcar com um colher de sopa de água até o ponto de caramelo;
  3. junte os 750 ml de água e deixe ferver até derreter o caramelo;
  4. acrescente o gengibre, a canela e o cravo;
  5. ferva um pouco, desligue o fogo, tampe a panela e deixe abafado por uns dez minutos;
  6. retire o gengibre, a canela e o cravo com uma escumadeira, ou coe para outra vasilha (este é um xarope básico ao qual você pode acrescentar vinho e frutas para vinho quente ou pinga, mais gengibre e frutas para quentão);
  7. acrescente a maçã e o abacaxi e ferva por uns cinco minutos;
  8. apague o fogo e acrescente o vinho;
  9. sirva.


Este receita fica muito boa, mas pode ser incrementado com outras frutas, como pêra, melão, ameixa, carambola e com outras especiarias, como pimenta vermelha (daquela em sementes, não vá usar pimenta malagueta!!), cardamono, aniz estrelado, zimbro, etc. Use sua criatividade e crie sua própria receita. Se sobrar, pode ser bebido com gelo, no dia seguinte.

domingo, 12 de janeiro de 2014

Paisagem na janela


Esta semana me despedi de uma velha amiga. Uma amiga que nunca deixou de me deslumbrar durante os sete anos que durou a amizade. Não que a amizade de fato tenha acabado, que houvesse qualquer desentendimento entre nós. Mas eu mudei de apartamento e por isto tive que por fim a este relacionamento. Pois esta minha amiga é uma janela panorâmica de dois metros de comprimento por um metro de altura, composta por quatro folhas de vidro temperado, duas fixas e duas corrediças, na varanda de meu antigo apartamento.


Quando fui alugar o apartamento, a primeira coisa que fiz foi correr até aquela janelona e me apaixonar de imediato. Enquanto minha mulher avaliava os armários da cozinha, o tamanho dos quartos, o estado da pintura, eu só tinha olhos para a paisagem além da janela. Não me importei muito com o fato do apartamento ficar no último andar de um prédio sem elevador. Já tinha decidido que era ali mesmo que iríamos morar.


Não que se tratasse de uma paisagem deslumbrante, destas de cartão postal. Na realidade, o que eu via eram os telhados irregulares das casas em primeiro plano, uma horta do lado esquerdo, uma favela à direita, conjuntos residenciais, a prefeitura, uma faculdade, um viaduto, uma avenida, um pedaço da estrada de ferro, uma refinaria e, mais no fundo, alguns prédios de Santo André e de São Paulo. Um cenário, à primeira vista, sem qualquer atrativo. Mas, e daí? Quem é que pode morar em um cartão postal?


Durante sete anos eu veria o mundo passar pela minha janela e aprenderia o quanto aquela paisagem tão prosaica pode ser linda. Cada amanhecer! Cada por do sol! Até a refinaria com as chamas de suas chaminés e de seus queimadores ás vezes confere um aspecto dramático à paisagem. Da mesma forma que as nuvens das tempestades. Com um binóculo é possível ver a inundação que estas tempestades provocam na entrada da cidade. Mas a gente esquece este problema ante o espetáculo proporcionado pelas nuvens monumentais, os trovões, os relâmpagos e o martelar da chuva nos telhados, quando ela está se aproximando.


Diariamente vejo as aves que passam o dia na represa e que vão se refugiar  à noite em um lago da refinaria. Uma revoada de milhares de aves imaculadamente brancas, pernas amarelas, perfis esguios, que acontece toda manhã em direção à represa e toda tarde em direção à refinaria. Às vezes alguma se desgarra do bando e acaba passando bem juntinho de minha janela.


Pela mesma janela vi o rodoanel chegar à cidade e trazer milhares de carros e caminhões de todos os cantos. Gente que passa quase sem notar que aqui tem uma cidade. E, vizinho ao rodoanel, vi um bairro nascer. Da noite para o dia apareciam guindastes enormes erguendo prédios e mais prédios de apartamentos.



O apartamento atual fica no mesmo prédio, mas no andar térreo. Tem vista para a mesma paisagem do apartamento anterior. Mas fica mais baixo e a vista não alcança tão longe, atrapalhada pelos prédios mais altos. Um apartamento mais amplo, mais confortável, sem escadas para subir. Mas, com certeza, uma parte importante de mim ficou lá em cima.